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sábado, 11 de setembro de 2010

Speto - Entrevista Revista Soma

Matéria com o artista plástico Speto, que suguei do site da Revista Soma ( www.maissoma.com ). É grande a entrevista, o artista fala sobre seu trabalho,desde quando começou fazendo graffiti na rua até os dias de hoje,com um forte trabalho comercial e dentro de galerias.



Por Tiago Morais . Retrato por Ludovic Caréme

Paulo Cesar Silva, mais conhecido como Speto, faz parte da primeira geração de grafiteiros de São Paulo que, influenciados pela chegada da cultura hip-hop à cidade e por filmes clássicos que apresentaram ao mundo a efervescente cultura do graffiti e do hip-hop da Nova York da década de 80, como “Wild Style, Beat Street e Breakdance”, começaram a colorir os muros da capital paulista.

Nesse começo, as formas e letras do graffiti brasileiro ainda eram extremamente influenciadas e muitas vezes copiadas dos americanos, mas naturalmente o tempo, a experiência e o amadurecimento de alguns artistas começaram a moldar um novo estilo e uma nova estética que hoje são amplamente reconhecidas e celebradas mundo afora. Na linha de frente desse movimento estavam Speto, Vitché e os irmãos Gustavo e Otavio Pandolfo, conhecidos como OsGemeos, que cada um à sua maneira foram descobrindo o próprio estilo.

Com 39 anos muito bem vividos, Speto já fez de tudo um pouco. Primeiro ajudou moldar a identidade do skate brasileiro nos anos 80. Depois fez o mesmo com o rock nos anos 90, dando ainda mais personalidade a bandas como Raimundos, Planet Hemp, O Rappa e outras. Desafiou os limites e códigos de conduta do graffiti ao levar a sua arte para campanhas de grandes marcas. Criou um estilo único de traço, reconhecido nos quatro cantos do mundo. Hoje, quer se desvencilhar dele.

Me encontrei com ele num final de tarde em um café na Vila Madalena, bairro onde o artista mora e trabalha, para bater um papo sobre sua vida e futuro. Encontrei um cara articulado, extremamente bem resolvido e feliz. Como bem diz o verso da letra da clássica canção “My Way”, citada pelo artista na entrevista: “Eu vivi a vida plenamente / Viajei por todas as estradas / E mais, muito mais do que isso, / Eu fiz isso do meu jeito”.

Você nasceu em São Paulo mesmo?

É, eu sou da Zona Norte. Nasci na Beneficência Portuguesa, no mesmo dia que a Edith Piaf – só que algumas décadas depois. 19 de dezembro. A família da minha mãe é do interior de São Paulo e a do meu pai é de Minas.

Desde moleque você já era envolvido com a cena de hip-hop, com o skate?

Já. Meu primeiro skate foi um Costa Norte, daqueles fininhos. Foi lá pra 84 que eu comecei a conhecer o que era a cultura hip-hop mesmo, e nessa época já andava de skate. Na real eu era muito mais ligado ao skate do que ao hip-hop, sempre fui. Quando vi o Nelson Triunfo no “Fantástico” quis conhecer um pouco mais, porque era um som muito diferente, a dança era diferente. Aí vieram dois filmes pro Brasil: o “Beat Street e o Breakdance”. Quando vi o que era graffiti, fiquei fascinado. O cinema a que eu fui, em Santana, tinha umas caixas de som, todo mundo foi com aqueles agasalhos vermelhos, azuis, parecia uma danceteria o lugar. A galera dançava dentro do cinema. Foi muito forte aquilo pra mim. Aí eu nunca mais parei, cara. Isso foi em 85.

O desenho já era presente na sua vida?

Já, já. Eu sou caçula e meus dois irmãos são artistas: o do meio é músico e o mais velho é pintor. E todos desenhavam, então minha mãe levava a gente pra fazer um monte de cursos, de arte, cerâmica, música. Era sempre assim, de um pro outro.

Seus pais incentivavam bastante esse lado então?

Muito. Pra mim foi muito natural, desenhar foi muito tranquilo. E eu também queria ter minha graninha, fazer minhas coisas. Eu morava num prédio e cobrava dos moleques pra fazer uns desenhos, umas tatuagens de canetinha. Sempre gostei de desenhar. Em 86 comecei a trabalhar com skate, já fazendo umas ilustras pra revistas da época, depois comecei a desenhar shapes, acho que em 86 ou 87, não lembro direito. Lembro que era um universo super fechado, tinha que saber andar de skate pra poder desenhar. E naquela época não tinha quase ninguém. Tinha o TaiTai, o Billy [Argel], o Ricky, pouquíssima gente. Então comecei a fazer anúncio pra revista “Yeah”, comecei a trabalhar com as marcas, trabalhei com quase todas. Shape de skate, passa fácil dos oitenta os que eu já fiz. Vim trilhando esse caminho, que era o do desenho, da ilustração e o do graffiti. E eles era muito separados, muito divididos. Até eles começarem, com o tempo, a virar uma coisa só.

Seu traço tem uma relação muito forte com o Nordeste, com cordel, xilogravura. De onde apareceu isso, você lembra?

Então, nesses cursos de arte eu já via muita coisa. E até já gostava de Aldemir Martins por exemplo, ainda moleque, mas fui esquecendo disso porque queria mesmo era fazer parte da cultura hip-hop, andar de skate, skate punk. Eu nem andava no visual de b-boy nem nada, quase não ia na São Bento, mas, quando ia, era de camiseta camuflada, visual de skatista mesmo. Porque a filosofia do skate sempre me agradou. E aí eu vi um disco, “Dead Man’s Party”, do Oingo Boingo, e aquilo mexeu comigo, eu queria saber o que era. Aí descobri que era do Día de Los Muertos, da cultura mexicana, e fiquei muito intrigado: como uma coisa tão simples pode ser tão forte, tão crua, tão honesta, raiz mesmo? Aí comecei a pesquisar. Como eu gostava muito de Picasso e sabia que ele estudava arte africana, comecei a pesquisar tudo o que era arte folclórica. E nos shapes de skate tinha muito dessa coisa da gravura, dos traços, divisões de cores etc. Eu não sabia fazer gravura, então tentava fazer de diversas maneiras. Comecei com corretivo de papel. Pegava um papel preto com uns pigmentos de látex e ia pintando em cima. Foi assim que saiu a arte pra capa do primeiro disco do Raimundos. Eu tava transferindo todo aquele universo que via no Oingo Boingo, as caveirinhas, o regionalismo, pro Raimundos. Eu tava começando a trabalhar com música nessa época, no começo dos anos 90. Fui trabalhar na revista “Bizz” também, fazia muito ilustração pra eles, então o universo da música foi ficando cada vez mais presente. Só muito tempo depois eu comecei a entrar no cordel. Quando eu fui trabalhar pr’O Rappa, em 99, já estava começando nesse estilo, e precisava de alguma coisa que fosse fácil de ver de longe e fosse interessante de ver fazendo. Falei: vai ser esse estilo aqui. Eu já estava entrando de cabeça nessa história do folclore brasileiro, e era perfeito. Porque podia ser show pra 20 mil, 50 mil pessoas, e mesmo que o cara estivesse lá no fundo, com cachaça na cabeça, ele ia ver o desenho. Eram dez shows por mês, em média, por todo o Brasil. E aí ia pra Juazeiro, pro Nordeste, e eu começava a comprar coisas, podia ver de perto, porque antes eu estudava em livros. E essa experiência de pintar no palco, a carga emocional que você adquire fazendo shows, lidando com público, pondo teu trabalho ali na hora também é muito forte. Improvisar, chegar ali, e às vezes aconteceu alguma coisa muito difícil na sua vida, e você tem duas horas pra dar tudo de si. Então foi uma experiência muito forte, e foi daí que esse meu estilo começou a amadurecer.

Tem uma coisa interessante no teu traço, que é uma estética mais pro vetorial, uma característica mais do design gráfico, mas que também tem como contraponto uma imprecisão proposital, quase cirúrgica, que dá uma sensação de algo mais artesanal e único.

Acho que a vida não é muito calculada, não é precisa. A gente tenta formatar demais os códigos de conduta morais e não é assim, o ser humano é irregular. Então tento transmitir nos meus trabalhos algo mais essencial, mais expressivo, mais emocional, mais intuitivo, e o meu traço é muito isso, essa imprecisão da vida, que não é bonita. Em alguns outros trabalhos eu tento trazer uma elegância, tipo os pássaros. E deixar o mais simples possível, não ter muitos recursos de traços ou de formas, enxugar o máximo possível. Porque eu acho que às vezes a beleza está nas coisas simples, na simplicidade de ver, na forma de ver, e isso se reflete no trabalho. Fica mais iconográfico.

O que mais te inspira?

Muita coisa. Tem ilustradores que admiro, fotógrafos... tem muito artesanato e artistas clássicos. Picasso pra mim é o cara! Acho que em todas as épocas, pra mim... Ele é o rei do flow, né, cara? É um dos artistas mais corajosos. Se você olha o trabalho dele, tá ali evidente isso: uma pessoa que tem coragem. Acho que uma das formas que o Picasso desenhava era justamente essa: a pintura, o traço dele são de uma pessoa que vive o presente. E que tem coragem, não tem medo de errar. Que nem aquela música “My Way”. Se você reparar nessa letra, é alguém que vive plenamente a vida e tem coragem e vai em frente. E isso reflete no trabalho dele. Eu gosto de outros caras também, que têm um trabalho mais pensado. Gosto de Jeff Koons, Damien Hirst, Takashi Murakami e vários outros. De ilustração, gosto de Vania [Zouravliov], que é um russo, gosto de gravuristas antigos. Tento diversificar ao máximo e nessas diversidades encontrar o que eles têm em comum entre si e comigo, o essencial de cada artista.

Li em um blog que, em vez de esperar quatro horas para uma conexão para Rotterdam no aeroporto de Madri, você resolveu dar um pulo no Museu Reina Sofia pra rever a “Guernica” do Picasso.

Eu tive que fazer isso. Fiquei lá em frente um tempão, depois fui tomar um café, voltei. Fui passando umas três vezes até ir me acostumando com a ideia.

E dos brasileiros?

Gosto muito do Di Cavalcanti, do Aldemir Martins – o cara é foda, fantástico –, Portinari eu gosto pra caramba também. Ele era um workaholic, foi o primeiro modernista, morreu de intoxicação de tinta, era doidão, ativista político. Acho que é meio bobeira limitar as minhas referências às visuais apenas. Acho que você tem que ter outras referências. Muhammad Ali é um cara que me influencia muito, Bruce Lee me influencia muito. Gosto muito do Niemeyer, fico vendo as entrevistas do cara, o que ele pensa, o que ele fala. Tudo é processo, tudo é fazer. A forma que o Ali tinha de fazer as coisas era uma fórmula, ele sabia extrair o que tinha de melhor: o que poderia ser esquisito, o que poderia ser ruim, ele pega e transforma aquilo em algo maravilhoso. É bom ter influência de ideias, de pessoas que pensam. Desenhar todo mundo desenha. makk O que faz diferença é a forma como você vê a vida, como você pensa, como você usa os seus recursos. Você precisa saber usar os seus recursos. O Niemeyer, a paixão dele pela vida, pelas mulheres, se reflete nas curvas dos trabalhos dele – ele não quer agredir a natureza, quer ter uma pausa. Se você olha o trabalho dele, tá ali, nítido. O Bruce Lee gostava de romper com a tradição, de fazer coisas novas, de unir Oriente e Ocidente e criar algo novo. Lidava com preconceitos, com quebra de barreiras. É isso que me inspira, cara.

Você parece ter hoje um lifestyle mais zen, mais low-profile e reservado do que alguns anos atrás...

Passei por algumas fases, cara. Trabalhei demais. De 2005 pra cá, o graffitti começou a acontecer pros brasileiros. Foi nesses últimos cinco anos que eu comecei a ganhar grana mesmo, ser reconhecido, viajar. De lá pra cá acho que foram 14 países. Fui pra Escócia, Ucrânia, Rússia, Europa inteira. É muito louco. Olho pra trás e vejo como eu era diferente pouco tempo atrás. Foi uma mudança. Trabalhei demais e fiquei muito doente, porque dormia duas horas por dia. Minha rotina era acordar às 4h30 da manhã e trabalhar até a 1h da manhã. Concentrado, sem sair da cadeira. Fiquei três meses doente, então resolvi fazer um ano sabático. Foi aí que comecei a fazer ioga. Isso foi de 2006 pra 2007.
Precisei desse tempo todo pra refletir como eu ia refazer minha vida. Porque aí o ego, o desafio, eu não precisava mais provar alguma coisa, saciar o meu ego, querer ser o cara, nada disso. O prazer pra mim, que eu fui encontrando, era simplesmente o prazer em fazer o que faço. E apareceu uma mulher na minha vida, que me deu uma chacoalhada. Parecia uma chuva de insights. Consegui unir os dois lados: você pode trabalhar dentro de um sistema e usar isso pra fazer coisas boas. E eu comecei a entender como fazer as coisas. Isso é muito difícil. Como se preservar, preservar sua essência, saber trabalhar, saber ganhar grana, saber gastar. É um movimento que saiu do underground. E no Brasil o underground tem uma coisa de autoafirmação, de ter que manter ali embaixo, não poder subir....

E nesse universo a galera tem uma tendência a olhar muito pro que o outro está fazendo e criticar: “Pô, o cara se vendeu, ta ganhando dinheiro agora...”.

É uma infantilidade pensar assim, é um preconceito, porque é difícil pra caramba trabalhar, defender o teu trabalho pro cliente. O trabalho que eu fiz pra Brahma, por exemplo, 80% ou mais eram personagens negros e rodou o mundo inteiro. Falava de inocência, falava de Brasil, e tinha uma sensualidade muito forte sem ser vulgar. E pra você fazer isso pra uma marca de cerveja, amigo... tem que ter uma lábia, um jogo de cintura. É uma guerra. Óbvio que o cliente queria passar essa atmosfera, mas você tem que brigar. E às vezes você perde uma agência, às vezes perde um cliente pra defender o trabalho. E isso pouca gente sabe. É uma coisa de virar gente grande, adulto. Não é uma coisa do underground, de você ficar ali. É fácil ficar ali. Eu nem julgo se é isso ou aquilo... acho que as pessoas se preocupam à toa. Eu sempre fui um entusiasta da arte. E sempre acreditei que o graffiti é anarquia, sempre foi. Querer contestar, falar que é, não é, que é arte de rua, é perder tempo. A pessoa não tá vendo que o graffiti é uma anarquia que funciona. E eu acho ótimo ter divergências e a essência é essa, é a diversidade. E não tem como você achar que uma cidade grande como São Paulo vai ser formatada, vai ser igual, todos vão ser iguais. E que chato seria. É essa diversidade, essa anarquia, essa confusão, essa briga ou não briga, esse mesmo espaço ocupado por todo mundo é o que é mágico, divertido. Eu quero ver o circo pegar fogo, quero ver um diferente do outro, pensando diferente do outro. Isso é demais, cara, é ser humano. O ser humano é isso, é diversidade. Brasileiro, mais ainda. Por isso o graffiti brasileiro é o que é.

A sensação que eu tenho é que você parece ser um cara super bem resolvido em relação a essa questão de se relacionar com marcas e empresas como Brahma, Volkswagen, Oi e Nike, entre outras, e foi um dos pioneiros no país a conseguir levar a estética do graffiti para o mainstream de forma legítima e absolutamente autoral. Fale um pouco disso.

Exatamente. Eu tenho uma coisa de ser autêntico, ser honesto, ser verdadeiro. E você tem que buscar isso. Quando a pessoa foge dos códigos... por exemplo: na favela tem códigos de conduta, na máfia tem códigos de conduta, na sociedade, na alta sociedade. Quando você é livre desses códigos, sofre preconceito. Porque as pessoas precisam de um guia, precisam se orientar, precisam se afirmar, estar em algum lugar. Por isso que, pra muita gente, ser livre é estar perdido. Ser livre é a possibilidade maior de fazer as coisas, muito mais chances. Se eu não seguir o caminho correto posso seguir o meu caminho. Posso apanhar mais, mas vou descobrir o meu jeito de fazer as coisas. Isso não impede que eu transite em vários grupos sociais. Tem que saber respeitar e tem que saber impor respeito também.

O que você prioriza mais na sua carreira: o graffiti pelo graffiti, expor em galerias, os projetos comerciais, a ilustração ou um pouco de tudo?

É um pouco de tudo. É um equilíbrio que você tem que conseguir. Pra trabalhar com artes plásticas você tem que seguir umas regras de mercado. E óbvio que elas têm um porquê, e eu respeito e entendo. É uma coisa que está aí há muito tempo e funciona. O graffiti em si, o que sempre me agradou mais é o muralismo, essa parte mais voltada pro mural, de fazer obras bem feitas. O muralismo acabou, é uma coisa esquecida. Veio na década de 40, 50, na de 60 já foi acabando. Então isso me atrai muito e estou voltando a pintar focado nisso: fazer murais. E não tô dependendo de patrocínio, de ninguém. Tô pondo a minha grana, ponho assistente pra trabalhar comigo. Daí os trabalhos comerciais me ajudam muito também. Você vai fazer um graffiti grande na rua e gasta uma grana: tinta, ajudante. Dá pra gastar em um dia mais de um barão, fácil. Mas é uma coisa que eu tenho que fazer. É um prazer absurdo, uma escola. Então estou focado no muralismo, que é uma coisa bonita, que você tem uma pausa, pode ver, apreciar. E por eu fazer algo mais iconográfico, mais simples, é mais fácil as pessoas verem, apreciarem. Mas fácil não quer dizer menor nem nada. É uma forma mais direta de se comunicar.

Você acha que o graffiti tem algum papel maior que vai além da questão estética?

Sim. Acho que em cada época a arte traz uma representatividade do que foi ou é contemporâneo. Então tem o período romântico da arte, tem o modernismo, tem vários períodos. Porque em cada época aquilo era necessário. Hoje a gente está na comunicação e na liberdade. A gente vive na era da comunicação. A internet é o maior símbolo disso. Então o que eu acho que a arte está trazendo é a comunicação, é a mídia, a imprensa. Tudo isso que é tão forte e acessível hoje em dia. O graffiti já é uma mídia que é de fácil acesso. Ele representa isso de uma forma muito forte. Ele não é nem digital, ele tá ali, na parede, no dia-a-dia das pessoas. É uma coisa que não estava ali e que de repente apareceu ali. Você tem a liberdade de gostar ou não. Isso é comunicação, pura. O artista tá fazendo isso, o pichador faz isso pra se comunicar, pra se expressar. Acho que o equívoco é tentar controlar uma comunicação que é feita na rua. Ela é igual à internet, é livre, todo mundo vê, é uma rede aberta. O interessante é não haver controle de nada, a arte está ali, livre. Acho que é errado quando o artista quer controlar esse processo. Ele quer que essas pessoas entendam exatamente o que ele quer passar. Ou quando um artista quer restringir o público. Não tem como, não tem por quê. O graffiti é uma forma muito forte de comunicação, porque é de fácil acesso. Como a TV, a internet. Ele tá ali na ponta disso. Os artistas que você vê hoje em dia, eles sabem usar isso muito bem. Takashi Murakami, Damien Hirst... Eles sabem usar a mídia a favor. Até o Banksy, por exemplo, é comunicação pura. Ele está falando de algo contemporâneo, que está acontecendo. E isso toca as pessoas. Os Gêmeos são artistas contemporâneos que falam do Brasil de uma forma lúdica. Diferente do artesanato brasileiro, mas sem fugir dele. Então eles são artistas que inegavelmente representam a arte do graffiti brasileira. Isso é fascinante. É muito importante que existam pessoas que comuniquem pontos que podem ser discutidos, que podem ser abertos. Dali vão gerar várias discussões, gerar curiosidade nas pessoas, de aprender, de ver o que é a cultura brasileira. Eles abriram a porta.

Voltando um pouco para aquilo que você falou sobre o mercado de arte. Sua última individual foi aquela da Choque em 2007?

Foi...

Por que esse hiato de três anos sem expor?

Vou ter uma grande individual ano que vem. Fiz uma grande reflexão, achei que não era momento de entrar no mercado de arte, porque queria aprender coisas novas . Acho que não é sempre que se deve usar o momento a favor. Eu não acredito que o meu trabalho fique bom, o que faço com spray em uma tela. Porque é um outro suporte, uma outra forma de ver, de assimilar a arte. Então estou fazendo um trabalho de pesquisa.

De técnicas?

É. Acho que essas coisas têm que ser espontâneas. Fiquei um tempão sem pintar na rua, agora voltei. Quero fazer quando for o momento certo. Vai ter essa ano que vem, que vai ser num museu. Então tenho pintado telas, explorado pigmentos... Tô começando a usar acrílica, usar óleo, outras coisas. Acho que quem faz muito isso de transpor com uma naturalidade muito grande o que faz na rua pra tela são o Titi Freak e o Carlos Dias. Os Gêmeos também usam outros suportes e sabem fazer bem. Pouquíssima gente consegue fazer o que faz na rua numa tela, exatamente o mesmo trabalho. Talvez até por um processo de amadurecimento, porque você tem que ficar pintando, pintando e descobrindo. Daniel Melim faz bem. Mas pra mim quem faz na finta são esses caras. É assim de cair o queixo, pagar pau e falar: “Os caras conseguiram, são foda”. Então é isso, quero descobrir o que vou fazer. E aí é ótimo se eu tiver um trabalho pra galeria, outro pra rua, nunca vou parar, vou estar sempre me alimentando de coisas. Acho isso importante.

Você é dessa mesma geração de Gêmeos, Vitché, Onesto... não, o Onesto é um pouco mais novo...

A galera que começou fomos eu, Gêmeos, Binho e o Vitché. Os primeirões, atuantes, fomos nós. Eu vim da Zona Norte, o Vitché e Os Gêmeos do Cambuci. Depois de um tempo a gente se conheceu e resolveu atuar no centro de São Paulo. A gente começou pela Praça Roosevelt em 89 e não parou mais. E aí veio mó galera: Tinho, Herbert [Baglione]. E a gente andava junto direto, era um colado no outro. Aí chegou um momento em que a gente precisou se separar. É aquilo que eu falei de amadurecer: uma hora você tem que seguir o seu caminho. E foi uma coisa que aconteceu de forma natural pra gente. Depois da exposição d’Os Gêmeos todo mundo se viu e tá todo mundo mais velho, alguns com filho, alguns com a barriga maior. Aí eu reuni todo mundo em um jantar lá em casa. Pra conversar, se rever. E foi o momento certo de a galera se rever, porque cada um trilhou o seu caminho, amadureceu, tem a sua identidade.

Como você vê o que Os Gêmeos têm conseguindo nas artes plásticas, tendo se tornado verdadeiros fenômenos da arte pop mundial...

Eles têm um trabalho muito forte e muito bom. Eles conseguiram criar um estilo que representa o graffiti brasileiro. A Beatriz Milhazes, por exemplo, quando você vê o trabalho dela, identifica que é uma mulher e brasileira. Isso é super importante em termos de coleção, pro colecionador comprar todas as obras do artista. Como o Bansky é a mesma coisa, como o Shepard Fairey é a mesma coisa. As pessoas precisam desses ícones porque eles ajudam a nortear, a nortear a imprensa, os artistas novos, que vão começar a pintar inspirados neles. Aí vão sempre existir pessoas que são contra. O que é bacana, é super legal ter alguém contra. Então acho que é isso, são essas pessoas que fazem girar de uma forma mais ampla, não só dentro do movimento. Dentro e fora.

Fale um pouco do projeto R.U.A., que rolou no ano passado em Rotterdam (Holanda) e contou com a sua participação e a de mais oito artistas brasileiros convidados, que pintaram enormes empenas e fachadas de prédios da cidade e que tinham a nobre missão de mudar a percepção do graffiti na cidade.

Eles têm uma mentalidade mais antiga de graffiti, tanto que vêm perguntar se você faz letra ou personagem (para a facção de grafiteiros mais xiitas você só é considerado se souber fazer letras e personagens). Mas foi uma troca bem legal, rolou uma boa discussão. Fiquei muito impressionado com o trabalho daquele japinha cabeludo... Ele destruiu, cara, foi o melhor ali. E tem só 22 anos. Tenho um desenho que ele me deu aqui, ele é um absurdo, destruiu!

O Horo (Dante Horoiwa, entrevistado na edição 8 da Soma)? Você já conhecia ou conheceu ele lá?`

Conheci ele lá. Tinha vontade de bater nele todos os dias (risos). Vinte e dois anos, primeira viagem dele pra fora. Quando ele tava pintando o trabalho dele, você não acredita o que parava de gente pra ficar olhando, fascinado. E foi o primeiro prédio dele, foi o meu primeiro prédio também. Outro cara de que gostei muito foi o Gais. Eu não conhecia ele também, e o prédio que ele fez tem um estilo bem inovador.

Você costuma ficar de olho nessa molecada nova que tá aparecendo?

Fico, cara.

É legal ver essa renovação, essa garotada que está fazendo um estilo novo, né?
Você aprende muito. O Gais é um cara com quem eu aprendo. E o trabalho dele é muito espontâneo. Ele era jogador de futebol, então tem toda essa malícia, que transpõe pro graffiti. São os novos mestres aí chegando...

Além dessa individual no ano que vem, você está trabalhando em algum projeto?

Não, eu tô estudando. Minha inspiração tá vindo com tudo. Tô indo domingo agora pra Buenos Aires, pra feira de arte, e vou grafitar lá. Quero aproveitar esse momento, fazia um tempão que eu não ficava inspirado mesmo.

A expectativa da galera vai ser grande, depois de três, quatro anos sem expor.

É, mas eu não fico me cobrando. Eu vou fluindo, nas coisas que quero aprender, que tenho curiosidade de fazer. Tomara que role, eu tô me esforçando.

Você pode falar onde vai ser ou ainda não?

Ainda não. Tem tempo ainda, é só ano que vem.

Queria saber como você lida com esse exercício de desapego, com essa efemeridade que o graffiti tem.

Não é o desapego só com painel, você tem que ter um desapego até com o próprio estilo. Pra evoluir tem que ser assim. E eu tô nessa fase. Tô fazendo uns trabalhos novos e não tô nem aí se estiver parecendo com alguém ou com o meu próprio trabalho. Então nessa viagem que eu fiz pra Nova York (Speto fez painéis e interferências por toda a loja da Nike Sportswear na Mercer St. com o tema Brasil), fiz uma mulher negra e tava numas assim: vou pintar e o que sair tá saindo. Aí fiz uma tela também que foi pra Project 2050, que peguei e saí fazendo, num estilo diferente do que costumo fazer. Aí voltei, fui pro Bom Retiro e também fiz um painel bem diferente... Tô usando cor agora, né? Isso por si só já é um puta desapego.

É verdade, porque até então seus trabalhos eram sempre muito calcados no preto e branco. Já esse mural novo que vi no Beco Aprendiz dá pra sacar isso que você ta falando, tá bem coloridão...

É, e tá indo, cara. Tem que andar pra frente. Pra arte e pra vida a filosofia é a mesma: ir em frente! Isso é desapego: foi um tesão fazer esse, mas agora vou fazer o próximo. E o próximo, e o próximo e o próximo e vamo aí. Enquanto der, tô fazendo.

Saiba mais:
www.speto.com.br
flickr.com/photos/speto



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